09 janeiro, 2021

Neguinho Bururu e Zeca Urubu, dois heróis de carne e osso

REDAÇÃO E FOTO
 Dilmércio Daleffe - Tribuna do Interior
Eram 10 horas da manhã, da última terça, quando Laírson e Marcelo adentraram um imóvel em chamas. Entre a fumaça escura e o fogo no assoalho, não pensaram duas vezes. E salvaram Alexsandra e três filhos. O que mais parece um enredo de cinema, aconteceu em Mamborê. Apesar de serem dois sujeitos bastante simples, tentaram ficar no anonimato. Mas o ato heróico não será esquecido. Pelo menos a família, que perdeu tudo, mas ganhou a vida.
Naquela terça, Vanderson Alves da Silva, 22, saiu as 8h para trabalhar. Deixou a esposa Alexsandra, 27, dormindo na cama, com o pequeno Enzo, de 1. Do lado de fora, outros dois filhos, David, 4, e Víctor, 6, brincavam. Ainda deitada, não percebeu a casa em chamas. O destino então decidiu agir. Laírson, vizinho, foi levar o lixo até a calçada. E notou a fumaça. Antes de correr para ajudar, avisou ao amigo, Marcelo, que estava em sua casa.

Ao chegar, Lairson viu Davi e Vitor, no quintal. E perguntou onde estava a mãe deles. “Eles disseram que ela estava dormindo. Então entrei na casa. Quando percebi, os dois meninos entraram junto. No meio daquela fumaça negra, consegui segurar um deles e o tirei do local”, disse. Marcelo já havia chegado e, agora, juntos, adentraram para resgatar o outro menino e Alexsandra, com o bebê.




Laírson conta que nada conseguia enxergar. Era muita fumaça. Mesmo assim, alcançou o quarto. A mãe já estava de pé, com o bebê no colo. Assustada. Desesperada. Mas ela não conseguia sair. Foi então que a puxou pelo braço, a conduzindo para fora. O amigo Marcelo também teve êxito. Entre fogo e fumaça, encontrou o outro menino. Bastou todos saírem para a velha casa de madeira vir ao chão. Por pouco, não houve uma tragédia. E quem disse que heróis estão apenas nos gibis e em telas de cinema?

Heróis 
Laírson Lopes Felício tem 42. Ele é de carne e osso. Um sujeito simples. Com origens da roça, anda de chapéu, cinturão de caubói e botas. Aprendeu a trabalhar desde cedo, ao lado dos pais. Nasceu em Guarapuava e, hoje, arrenda uma chácara onde compra e vende bois. “É o nosso ganha pão. Somos fracos (pobres), mas honestos”, revela.

Há 17 anos, Laírson conheceu a viúva Juraci, 60. Casaram e continuam juntos, até hoje. Moram numa boa casa, embora simples, como ele. Devido ao trabalho desde menino, parou de estudar, ainda no fundamental. “Meu pai me fazia trabalhar. Então, os estudos ficaram”, disse. Os pais, ainda vivos, tiveram cinco filhos, e continuam morando em Mamborê. Para ele, o impulso maior para salvar a família, veio através de Deus. “Sem ele não somos nada”

Marcelo Pereira da Silva, 43, é casado com a filha de Juraci – esposa de Laírson. Também teve pouco estudo, principalmente, porque, ainda aos 15, ficou quase sozinho no mundo. Perdeu os pais e passou a morar só. O jeito foi trabalhar. Comprava e vendia recicláveis. Depois trabalhou numa serraria. E, por fim, se transformou em caminhoneiro. Profissão ocupada até os dias de hoje. Para ele, Deus também foi o responsável pela iniciativa em salvar a família. “Ele nos impulsionou a entrar na casa”, disse. 




"Neguinho Bururu" e "Zeca Urubu" 
“Neguinho Bururu” e “Zeca Urubu”, ou melhor, Lairson e Marcelo, respectivamente, como são conhecidos, tornaram-se amigos há menos de dois anos. Mesmo Marcelo entrando na família há seis, por quatro, os dois não conversavam. E nem eles mesmos sabem explicar o porquê. “Na verdade Marcelo é meu genro. Mas somos da mesma idade. Por quatro anos, embora não brigássemos, simplesmente, não tínhamos um convívio”, explicou Laírson. 

Os dois contam que passaram a conversar desde 2019. E a amizade tornou-se uma fraternidade. Desde então, iniciaram um vínculo familiar sem igual. Churrascadas, conversas, brincadeiras. Também descobriram na pescaria um prazer em comum. Sempre que podem, vão juntos em busca de peixes. Além de os trazerem, carregam as famosas histórias de pescadores. Os caras passaram a ser como irmãos. 

Para selar a amizade, o destino se encarregou do resto. Juntos, mostraram coragem. E mais: ficaram marcados como verdadeiros heróis. Salvaram uma família inteira. E não se arrependem de arriscarem a vida. “Faríamos tudo de novo. Eram crianças e uma mulher em risco. Não tínhamos outra solução”.



Família salva 
A família de Vanderson perdeu todos os bem materiais. A casa era alugada. Mas em seu interior, havia tudo o que juntaram em vida. Ele está desempregado. Vive de bicos. No dia do incêndio saiu para pintar um imóvel. A grana sempre foi curta. Alexsandra, por causa das crianças, não trabalha. Fica na casa pra cuidar da turminha.

No primeiro encontro com os heróis, a moça agradeceu. E disse que, não fossem eles, poderia ter sido uma vítima do fogo. Mas agora, ela e os filhos estão a salvo. E isso, segundo ela, não preço que pague. “Só tenho que agradecer aos dois”, disse.

A comoção do caso fez com a população se unisse para ajudar a família. Esta semana, já haviam ganhado geladeira, roupas, guarda roupas, sofá e alimentos. E outras coisas estão a caminho. No entanto, o mais importante foi a ajuda recebida pelo município. Segundo Vanderson, a prefeitura locou uma nova casa. E vai contribuir com três meses de aluguel. “Só temos gratidão a todos que estão nos ajudando”, disse ele. 


Por Dilmércio Daleffe, Tribuna do Interior 









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